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Minha vida na Legião Estrangeira: Part1 : A Viagem

  • CAMERONE http://cameronebrasil.blogspot.com.br/
  • 6 de dez. de 2015
  • 6 min de leitura

A VIAGEM

Era dia 11 de abril de 1990, o ônibus deslanchava nas estradas em direção a França, cortávamos colinas e grandes planícies, saímos de Lisboa em direção a Bayonne na França, atravessamos a Espanha, tínhamos feito uma boa amizade com os portugueses a bordo do ônibus, conversávamos e dávamos muitas risadas, eram trabalhadores que voltavam ao trabalho depois de um mês de férias em Portugal, a bordo penso que apenas duas pessoas não falavam o francês, eu e o Marcelo, tudo estava mil maravilhas, mas quando chegamos na fronteira da Espanha com a França, eram aproximadamente uma hora da manhã, a policia de fronteira entrou no ônibus e pedia os vistos, verificavam os passaportes, e nós estávamos no fundo do ônibus, e quando o policial pediu nosso visto um rapaz traduziu que não tínhamos e que estávamos indo pra Legião Estrangeira parece que uma bomba tinha explodido no fundo do ônibus, todos olharam pra trás como se fossemos extraterrestres, e então os policiais pediram para que descêssemos do ônibus, e pegássemos nossas bagagens, nos mostraram gentilmente que poderíamos dormir na sela da alfândega, deitamos, mas quem conseguia dormir? Foi uma longa noite. Ao amanhecer estávamos sem cigarros, então pedimos ao policial para comprar cigarros, ele nos liberou para ir a uma cidade próxima que ficava a um quilometro da alfândega, deixamos nossa pequena mala na policia, compramos os cigarros tomamos café em uma padaria e voltamos a o posto policial.

Eram nove horas da manhã quando chegou um Renault com dois elementos, um com 1,90m de altura, loiro, musculoso e com varias tatuagens no braço, uma em especial que era um escorpião que descia da cabeça e acabava no pescoço, do outro lado do pescoço uma tatuagem de um beijo, ele estava em um uniforme de gala muito elegante, e um Képi branco na cabeça. O outro era bem menor, branco também e com um bigode quase que amarelo, sem tatuagens, mas muito mal encarado.

Falaram conosco em francês num tom de autoridade como se compreendêssemos alguma coisa, mas entendemos que ele estava dizendo pra buscar nossa bagagem, e então seguimos em direção desconhecida, estávamos no banco de trás e falei para o Marcelo:

- Onde será que estamos indo? Neste momento em um português bem autentico o mais baixo respondeu:

- Vamos para a caserna de Bayonne, e de lá vocês vão para Aubagne.

Foi muito gostoso ouvir falar português, pois sabíamos que não estaríamos completamente desinformados.

Na chegada da caserna, fizeram tirar toda a roupa na frente deles, e foram colocando-as em um saco de marinheiro, pegaram todo o nosso dinheiro (que não era muito), documentos, enfim tudo que era nosso, e colocaram devidamente catalogados em envelopes, e nos deram um jogo de agasalho, mostraram umas fitas de vídeos de como seria na legião, e depois nos perguntaram se realmente ficaríamos, concordamos e então mostraram onde dormiríamos, e ficamos fechados quase até o meio dia, abriram as portas e saímos com o português para buscar o nosso almoço que vinha da base aérea, se não me engano. Fizemos rapidamente amizade com o português que era Caporal-chef e chama-se Da Silva.

Todos os dias levantávamos e fazíamos à faxina na caserna, e depois de tudo feito poderíamos assistir televisão, apesar de não entender nenhuma palavra, mas era o que tinha pra fazer enquanto esperávamos o dia de ir para Aubagne.

Certa manhã, levantamos e fizemos nossa faxina como sempre e ficamos conversando, era aproximadamente, nove horas da manhã quando olhei para o meu amigo Marcelo e disse:

- vamos comer algo?

- Não to com fome, disse o Marcelo.

- A para, vamos lá, to com uma fome danada.

- Não cara, não estamos em casa, não vamos mexer nas coisas da geladeira, não sabemos se podemos ou não.

- Vai tomar banho Marcelo ! Claro que podemos, não se esqueça que aqui será nossa casa daqui pra frente.

Fomos até a geladeira, agora tínhamos o direito, pois já estávamos ali há alguns dias, e pegamos os dois últimos ovos, fizemos uma omelete, esquentamos uns pães, preparamos um suco e comemos tranquilamente, lavamos a louça e voltamos assistir televisão. Não demorou 30 minutos ouvimos algumas panelas caindo na cozinha e uns murros na parede, o Caporal-chef Da Silva veio e nos perguntou o seguinte:

- Vocês comeram uns ovos da geladeira?

- -Sim, comemos - respondemos á ele.

- - Então vá lá e se explique com ele.

Eu confesso que minhas pernas bambearam, o homem era grande demais! Bom, não tínhamos saída, tínhamos que ir nos explicar com o gigante, mal entramos na cozinha o Marcelo já levou uma frigideirada na cabeça, e para ser sincero levamos umas 10 frigideiradas na cabeça de cada, basta dizer que a frigideira não prestou mais pra nada.

Uma coisa aprendi naquele dia e vai ai pra você uma dica: NÃO MEXA NA COMIDA DE LEGIONARIO.

Finalmente chegou o dia de irmos para Aubagne, embarcamos em um trem de noite, a passagem é paga pela Legião Estrangeira, e pegamos todos os nossos pertences e começamos a viagem.

Enquanto o trem percorria o caminho, me detive a ficar alguns momentos na janela olhando a paisagem da noite, estava uma linda noite, passávamos por montanhas e túneis, e de vez em quando atravessávamos uma cidadezinha de interior, via-se as luzes as vezes de casas no meio do nada, e as vezes estávamos do lado da rodovia, onde víamos os faróis dos carros, e eu pensava apenas no que seria Aubagne, o que nos esperava? Como se comportar? Quem conheceríamos? Em que língua se comunicar? Como seria os testes? Como iríamos compreender o que iriam nos explicar? Neste momento, você começa realmente a pensar se vale a pena estar ali, um país onde ninguém te conhece, uma língua que você não entende nada, pessoas de todos os quatro cantos do planeta, e eu vindo de uma cidade de dois mil habitantes, um ex-bóia-fria, com um sonho na cabeça : ser militar, ser um soldado de elite, ir para a guerra, quem sabe até ganhar uma medalha e ser conhecido como um herói.

Sabe que quando você esta lendo estas linhas, talvez não esteja dando uma grande importância a isso tudo, mas pode ter certeza que no momento em que você chegar na porta da Legião Estrangeira, muitas coisas passarão por sua cabeça, você pensará na família, nos amigos, na namorada, no filho, na mulher, nos irmãos, enfim, muitas coisas passam pela cabeça e a gente se perde um pouco, por isso digo que antes de você tentar entrar numa aventura assim pense bem no que esta fazendo, pois por mais que te falam como é a legião a gente fica sabendo mesmo somente depois de estarmos lá, ou somente quando estamos lá dentro.

Quando me deitei um pouco nas poltronas para descansar muitas destas coisas passaram por minha cabeça, e fiquei pensando no meu sonho de ser médico no barco adventista no Rio Amazonas. E me vieram à mente que durante o tempo que eu estava em Portugal, eu fiquei sabendo que a igreja adventista tinha vendido a lancha Luzeiro que fazia a assistência social no rio Amazonas, aquilo me deixou muito triste, eu perdi sinceramente o norte de minha bússola, pois meu desejo era apenas me formar e trabalhar nesta lancha, eu então comecei a ver que alem de meu sonho estar quebrado, eu tinha também minha fé abalada, e comecei a desfrutar alguns prazeres do mundo, comecei a frequentar a vida noturna, a beber a fumar, enfim, comecei a viver uma outra vida.

Quando penso nisso, vejo o quanto somos vulneráveis, basta alguma coisa dar errada em nossa vida que começamos a mudar seus rumos, basta algum pequeno problema em uma amizade que começamos a odiar aquela pessoa do dia pra noite, basta um relacionamento com a namorada acabar que não queremos mais falar com ela, basta você receber um ‘não’ de seu patrão para um dia de folga e você vai querer fazer apenas o seu trabalho, e nada mais alem disso, portanto, devemos tomar muito cuidado em nossas decisões, e sempre estar firme daquilo que queremos, pois como diz um velho ditado chinês: “cuidado com seus sonhos, eles podem realizar-se”.

Eu tinha deixado toda minha vida para trás agora estava indo rumo ao desconhecido, para mim era uma aventura e tanto, mas eu tinha tomado uma decisão, estava ali dentro do trem indo ao encontro de meus novos sonhos, e nada mais para mim contava, a única coisa que eu queria era ser militar.


 
 
 

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